A positividade tóxica se traduz como o ato de suprimir sentimentos considerados negativos e ela pode ter consequências maiores. O psicólogo Felipe Bini (CRP 08/23242) conversou com a Mais Saúde sobre esse assunto
“Vai ficar tudo bem”, “olhe pelo lado bom” e “erga a cabeça”. Essas são frases que hora ou outra são ouvidas por quem não está se sentindo tão bem.
O que pode parecer uma inocente tentativa de animar, no fundo, pode ecoar em uma série de problemas. É nesse contexto que surge a positividade tóxica, que seria a tentativa de abafar, sufocar ou ignorar os sentimentos negativos
Muitas vezes os autores desse tipo de frase estão tentando ajudar seu interlocutor de boa fé, não sabendo das consequências que esse comportamento pode ter.
Indo além, o tema toma alguns desdobramentos interessantes. Conversamos sobre isso com o psicólogo clínico e professor universitário, Felipe Bini (CRP 08/23242). Ele compartilha sua visão sobre as causas e consequências da positividade tóxica.
Mais Saúde: O que você entende por positividade tóxica?
Felipe Bini: ela costuma acontecer em uma relação entre eu e o outro, mas pode acontecer entre nós conosco mesmo, principalmente de ideias difundidas por coaches por aí. Está relacionada a pensar que existem sentimentos que são divididos em negativos e positivos.
Nós acreditamos que existe uma certa negatividade em sentir tristeza, raiva, ou ansiedade (que não aquela sintoma de uma doença maior, mas a corriqueira, que todo mundo sente em vários momentos da vida).
Então a positividade tóxica seria essa tentativa de abafar esses sentimentos. Colocá-los como contraproducentes, desnecessários, ou ainda que devemos parar de senti-los para que algo possa melhorar.
Às vezes é necessário que a gente esteja com raiva e é necessário que a gente esteja com tristeza. É o caso do luto, ou qualquer outra situação em que perdemos um objeto de amor.
É óbvio que ficamos triste e é importante que se passe por esse momento para que possamos superar e continuar seguindo nossas vidas
Como esse comportamento pode se reverter como algo nocivo a alguém que está ouvindo isso?
Felipe Bini: Isso vai depender de muitas situações. No caso do luto, ou da perda de um objeto de amor, de algo que gostamos muito, por exemplo, acaba-se fazendo com que eles possam aparecer em formas de outros sintomas, ou então gere outros tipos de comportamentos e sentimentos.
É bastante comum em pessoas que passam por um estágio depressivo, a mania. A pessoa aparenta estar extremamente alegre, ou agitada, principalmente diante dos outros, quase como uma forma de não lidar com a tristeza.
Outra forma de enxergar como pode ser nocivo é fazer a pessoa acreditar, principalmente quando pensamos nessa lógica de bastar pensar que vai ficar tudo bem que isso irá passar, é a gente perder uma dimensão que essas coisas fazem com que a gente se movimente.
Às vezes, ficar ansioso faz com que você trabalhe para resolver o que te causa essa ansiedade.
Quando você está com raiva, te leva a olhar aquilo que lesou, para os sentimentos de injustiça, por exemplo, e até mesmo não se culpabilizar por aquilo. Até porque temos muitas situações na sociedade que são causadas por injustiças e sentir raiva delas, não olhar para o lado bom nesse momento, faz bem.
Caso contrário, a pessoa estará sempre se culpando, ignorando as causas desses problemas, sejam eles pessoais, sociais, etc.
Por fim, essa coisa de olhar para o lado bom pode fazer com que a pessoa que está com problema, se sentindo esquisito, ou até mesmo com sensações físicas ruins, passe a pensar que vai “olhar pelo lado bom”, ou “erguer a cabeça” e não irá procurar ajuda médica. Tem essa consequência mais direta.
Essa pode ser tornar uma fonte de problemas de saúde maior?
Felipe Bini: Primeiro precisamos entender que essa ideia de um sentimento negativo, ou positivo, em geral estão associados a uma noção de saúde que é bastante superada no nível teórico e técnico.
Saúde não é ausência de sofrimento, não é ausência de doença. Muito pelo contrário, precisamos entender que todos vamos sofrer, todos vamos ficar doentes, isso é algo que acontece em nossas vidas, inevitavelmente.
Mas a saúde estaria relacionada a sairmos dessa condição de sofrimento, a superá-la. Então, ter mais condições para isso é o que é importante, principalmente ao pensar em saúde pública.
Como essa questão toda se relaciona ao ambiente das redes sociais?
Felipe Bini: Esse é um ambiente que tem o problema de muita gente dizendo o que é “certo”. Muitas dicas de vida, mas sem nenhuma capacidade técnica.
Acredito que isso possa contribuir para agravar a situação na medida de que quanto mais estamos expostos a essas ideias, mais podem acontecer todos esses fatores.
Por exemplo, quanto mais ignoramos o cansaço, ansiedade e tensão que uma jornada de trabalho muito exaustiva causa, mais esses sentimentos vão se patologizando.
Quanto mais eu “pensar positivo” e que vou conseguir, eventualmente vou chegar à conclusão que não consegui, que eu falhei. E, mais ainda, vou me afundar nesse buraco.
Assim, principalmente transtornos mentais, podem acabar se aprofundando e aí tem uma série de problemas de saúde.
Muitas vezes, as pessoas acabam caindo na positividade tóxica sem perceber. Que dica daria para que os indivíduo não incorram nesse erro?
Felipe Bini: Nas relações cotidianas é importante ouvir o outro, quem está sofrendo. E, além disso, entender que a gente não consegue resolver o problema da pessoa.
Em geral, nem a palavra de um especialista vai dar conta de todo o problema de alguém. Precisamos aprender a suportar o choro e o sofrimento do próximo.
Às vezes nossa presença, que seja carinhosa e acolhedora, já é muito. Pode ser que as coisas não tenham um lado bom, não precisamos tentar mostrá-lo. O lado bom só vai surgir com o depois, quando a pessoa conseguir lidar com aquilo.
Que o que a ela estiver sentindo ressoe como empatia, e não achar que aquela pessoa está sentindo. Cada uma sabe o quanto dói na própria carne.
Escute. Seja humilde na forma como você pode tocar o outro. Não ignore a importância das sensações que temos, já que não existem sentimentos negativos, ou positivos, apenas sentimentos.
Leia mais textos como esse na Mais Saúde