A doença é estigmatizada, mas aos poucos tem sido compreendida pela sociedade
HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana, causador da AIDS. O HIV é uma infecção sexualmente transmissível (DST), que também pode ser contraída pelo contato com o sangue infectado. De acordo com o infectologista Alcides Mendes Botelho Filho, esse vírus foi isolado na França, no Instituto Pasteur, em 1983. Os primeiros casos foram relatados pelo CDC nos Estados Unidos em homossexuais em 1981.
Posteriormente, em 1958, foi isolado o sangue estocado de um almirante norueguês o anticorpo contra o vírus HIV, no Congo Belga. Nessa época, os macacos, especificamente os símios, sofriam com as mesmas características. As especulações são de que o vírus tenha se espalhado através de vacinas na África, já que as vacinas contra poliomielite eram feitas com rim de macaco. Um fato que questiona essa teoria é a de que se a contaminação existisse, teria se tornado uma grande epidemia. “Não podemos colocar a culpa nas vacinas, elas foram importantíssimas para o avanço da ciência”, afirma Alcides.
O HIV ainda é um tabu para muitas pessoas, inclusive àquelas que são portadoras. Por isso, a redação da Revista Mais Saúde entrevistou o infectologista Alcides, para desmistificar a doença e, também, para entender como o vírus age no organismo humano.
Revista Mais Saúde: Quem descobriu o vírus HIV?
Alcides: Quem descobriu o vírus foi Luc Montagnier e Francoise Barre-Sinoussi, que inclusive foi prêmio Nobel de medicina. Eles viram que em um gânglio de um paciente doente existia um vírus que eles denominavam como HTLV3. O normal da nossa célula é ter o DNA que fabrica o RNA. No HIV é o contrário, o RNA fabrica DNA, por isso a denominação de Retrovírus.
Revista Mais Saúde: O HIV é mais recorrente em homossexuais?
Alcides: As DSTs não respeitam barreiras. Elas são frequentemente descobertas nessa população. Se analisarmos a epidemiologia do HIV, cerca de 1% a 4% acontece na população em geral. Mas, em casos de relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, a incidência sobe para 15% a 20%. Da mesma forma, foram os homossexuais que lutaram por um tratamento digno através da quebra de patente precipitada pelas Organizações não Governamentais (ONGs), de 20 antirretrovirais. Assim, descobria-se a causa e, consequentemente, o tratamento adequado.
Revista Mais Saúde: HIV não acomete pessoas mais velhas?
Alcides: Hoje, no Brasil, temos uma incidência muito alta entre pessoas de 19 a 39 anos. Mas, o vírus pode incidir em pessoas da terceira idade, principalmente após o uso de medicamentos para a disfunção erétil. Portanto, existem muitas pessoas com mais de 60 anos que têm AIDS.
Revista Mais Saúde: Os sintomas do HIV surgem de um dia para o outro?
Alcides: O vírus evolui ao longo dos anos. A média da infecção para desenvolver a doença é de 6 a 8 anos. Em algumas pessoas se desenvolve rapidamente, em outras o processo é mais lento. Alguns vivem 10 a 15 anos e não sentem absolutamente nada. O grande problema disso, está nos vários contatos sexuais que a pessoa vai ter ao longo desse período. Por isso, da mesma forma que fazemos o exame de colesterol, glicose e triglicerídeos, devemos realizar o teste de HIV. O Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina estimulam que todas as pessoas façam a sorologia do HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. A realização desses exames é extremamente rápida, dura em média 5 minutos.
Revista Mais Saúde: Qual é o papel da camisinha no controle da doença?
Alcides: Além do exame viral, a camisinha é muito importante. Isso porque, existem casos que o homem tem o vírus e a mulher não, ou vice e versa. Não são em todos os contatos sexuais que ocorre a troca de vírus. Porém, se a pessoa não está tratando, a possibilidade de transmitir é bem maior. Existem casais sorodiscordantes e que em algum momento da vida sexual, ou o preservativo se rompe ou ambos não estejam com vontade de usar a camisinha, e se o paciente está tratando e a carga viral é indetectável a possibilidade de transmitir é quase nula. Com a evolução da ciência, também é possível usar a profilaxia pré-exposição e pós-exposição, um importantíssimo meio antes e depois da exposição. A profilaxia pré-exposição tem alguns critérios quanto ao seu uso, como não ter HIV, estar constantemente em exposição e pares discordantes.
Revista Mais Saúde: O diagnóstico do HIV pode ser feito apenas pelo exame de sangue?
Alcides: Pode ser detectado pelo exame de sangue. Daqui algum tempo será possível encontrar testes de farmácia, com uma boa acessibilidade. Nesse caso, o que a pessoa precisa entender é que se ela foi exposta ontem, terá uma janela imunológica até ficar positivo, o que demora em média duas a três semanas. Então, pedimos aos pacientes que façam o acompanhamento de no mínimo quatro a seis meses repetindo exames.
Revista Mais Saúde: O HIV tem sintomas?
Alcides: Em metade das pessoas surgem como se fosse uma gripe forte. Na outra metade, os sintomas não aparecem imediatamente. No primeiro mês, a carga viral no sangue sobe muito e a defesa, que são os linfócitos T CD4 caem. Num primeiro momento, o nosso organismo reage estabilizando, baixando o vírus, a carga viral e melhorando a imunidade. Essa manutenção dura em torno de 6 a 10 anos. Em 20% dos casos, ela vai desenvolver em dois a três anos. Já nos outros 20% pode demorar até 15 anos para desenvolver a doença. Então, a maioria das pessoas que têm o HIV passam 6 a 8 anos sem sentir nada. Após isso, a imunidade cai de tal forma que o paciente não consegue reagir. Em um segundo momento, o organismo fica suscetível a infecções e tumores oportunistas, e, em alguns casos, chega a morte. Quando não existia tratamento, o paciente tinha apenas de seis meses a um ano de vida. Hoje, não se espera tanto para procurar o tratamento.
Revista Mais Saúde: É possível contrair o HIV por contato físico, como abraço e aperto de mão?
Alcides: Isso é mito. A dor de uma pessoa que tem HIV e que fica com medo de transmitir o vírus para outra pessoa é muito grande. Contudo, se ela tratar e a carga viral for indetectada, o que é possível com tratamento antirretroviral, a possibilidade de transmitir para alguém, mesmo tendo relação sexual com outra pessoa sem proteção, é quase nula. No entanto, o tratamento não deve ser a única forma de proteção. O que impede o avanço da ciência e da humanidade é a falta de sensibilidade e compaixão.
Revista Mais Saúde: É possível conviver com o HIV?
Alcides: Quem trata desde o início, tem uma vida muito próxima das que não têm. Então, se a pessoa é aderente ao tratamento e tem uma carga viral controlada, ela pode viver de forma perfeita. Há um problema, mais de caráter mental do que físico. Existe essa questão de achar que é “impuro”, coisa que ninguém é. Somos, acima de tudo, filhos de Deus, temos direito e dignidade, cada um tem os seus valores que devem ser respeitados, tendo a possibilidade de viver o tempo que quiser desde que trate de forma adequada, pode ter uma vida produtiva.
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