Historicamente, a dicotomia entre medicina e odontologia, desembocou em um ensino da medicina para “um homem sem boca” e o ensino da odontologia para “uma boca sem homem”. Frase usada por vários doutores estudiosos nesta área.
Os dentistas clínicos têm excelência no conhecimento das alterações que ocorrem na boca. Sabem como identificar patologias dessa área e fornecer uma gama de tratamentos para seus pacientes, como estética, restaurações, ortodontia, implantodontia, prótese, periodontia, entre outras. A maioria desses tratamentos é direcionada com uma visão da boca isolada do corpo, pois foge muitas vezes de nosso domínio analisar este paciente como um todo. Mas, a partir do momento que vamos aprofundando em algumas complexidades da boca (ou sistema estomatognático), vemos, cada vez mais, a necessidade de explorarmos este ser por completo, pois as relações são complexas e intimamente ligadas.
Simples alterações, como uma restauração que modifique a morfologia original do dente, podem influenciar o sistema estomatognático e outros sistemas do ser humano. Muitos pacientes sofrem durante anos com severas dores de cabeça, pescoço e de ouvido e sintomas sistêmicos que podem ser resultado direto de uma relação crâniomandibular alterada.
O paciente que chega relatando que tem dor de cabeça unicamente, dificilmente um profissional vai constatar algum diagnóstico com este simples sintoma, sendo que temos mais de 2.000 fatores etiológicos para cefaléias. O profissional realizará uma anamnese, exames complementares para chegar ao diagnóstico. Alguns são lógicos e fáceis, outros nem tanto.
A princípio, os dentistas nada têm a ver com a postura corporal. E os ortopedistas e fisioterapeutas não têm nada a ver com a oclusão dos dentes. Será? Na face o único osso que se move é a mandíbula, e é através deste osso móvel que surgem várias patologias. A posição deste osso não depende exclusivamente do contato entre os dentes, mas também da posição da cabeça. A posição da cabeça é ditada também pela postura da coluna. Queremos dizer que pessoas com desvio cervical vão apresentar alguma alteração de posição. Esta alteração de posição vai resultar mudanças naquele único osso móvel que é a mandíbula. Se fizermos um auto-teste, vamos observar com bastante atenção que o contato entre os dentes mudam conforme mudamos a posição. Com a cabeça para frente iremos observa r contatos mais pesados nos dentes anteriores, com a cabeça para trás vamos observar os dentes deslizando para trás, inclinando para as laterais observa-se contato mais pesados para o lado que se inclina. Essas alterações são passageiras e de função. Os dentes vão tentar readaptar-se a nova posição. Temos uma articulação que une o crânio à mandíbula que é a Articulação Temporomandibular (ATM), ela também vai tentar readaptar-se, vai estar fora de sua posição de conforto, podendo gerar inúmeras patologias locais e outras referidas, variável conforme a suscetibilidade de cada indivíduo.
Quando o sistema esquelético está em desarmonia com o sistema neuromuscular, na boca, os músculos do rosto e mandíbula ficam num estado de tensão não natural. Na cervical o raciocínio é o mesmo.
Transportando o raciocínio para a correlação que existe entre mandíbula e cervical, vamos ver que as tensões estão interligadas. Podemos ir mais longe, na coluna há dependência postural entre cervical, dorsal e lombar, tudo é um conjunto. Um grande percentual da população possui algum tipo de desvio ou patologia da coluna, devemos estar atento a isto, pois podemos estar diante também de um desvio ou patologia na boca, ou seja, as alterações posturais podem afetar, ou vão afetar, a posição mandibular.
O tratamento ideal seria através de uma abordagem multidisciplinar entre vários profissionais como: dentistas, ortopedistas, neurologistas, otorrinolaringologistas, fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos e outros, conforme a complexidade do diagnóstico.
O cirurgião-dentista tem que ir adquirindo habilidade em posicionar espacialmente a mandíbula, isto é importante em várias formas de tratamento reabilitador, seja protético, ortodôntico e outros. É interessante chamar a curiosidade para este aspecto, que parece ser complexo, mas lógico, porque a boca faz parte do nosso corpo.
No diagnóstico de cada paciente, antes de estabelecer um regime de tratamento, é essencial revelar precisão e obter dados quantitativos que ilustrem a relação, distorcida ou não, entre crânio e mandíbula e documentar a extensão da disfunção musculoesquelética da cabeça e pescoço. Os pacientes procuram por tratamento nesta área quando estão com alguma patologia mais avançada, isto pode estar ocorrendo devido ao não reconhecimento em nosso contexto sócio-cultural de uma doença que necessite de tratamento.
Mas, não precisamos estar diante de uma patologia preocupante, pois já temos hoje, nesta área, propostas de tratamento para melhorar o desempenho físico de atletas através do reequilíbrio de todo o sistema obedecendo a uma ciência neurofisiológica.
O que temos que entender é que a postura mandibular é determinada por uma intrincada musculatura, que envolve a cabeça e o pescoço. Na odontologia o termo usado para estas patologias é Desordem Temporo-mandibular (DTM), que é a função anormal, incompleta ou prejudicada das articulações, suas sensibilidades, como também sensibilidades nos músculos da mastigação, da cabeça e do pescoço, movimentos mandibulares limitados, ruídos na ATM, ranger e/ou apertar dos dentes, como também terapias auxiliar de ronco e apnéia.
Assim, sintomas como dor de cabeça, dores nos ombros e nas costas, problemas auditivos e outros podem indicar vários distúrbios, além da DTM. Muitas vezes, pessoas com tais sintomas passam por vários profissionais antes de entenderem a causa dos seus problemas. Tendo em vista a alta incidência estimada, na população geral, da ocorrência de tais sintomas, não são muitas as pessoas que buscam o tratamento adequado no início da desordem.
Dr. João Luiz Martins de Oliveira
Cirurgião-dentista atuante na área de Disfunção Temporo-Mandibular