Nos últimos meses o autismo voltou à tona ao ser um dos temas abordados na novela global “Amor à Vida”, através da personagem Linda. Apesar de pouco comentado, o autismo é um transtorno bem mais comum do que se imagina. Estudo divulgado em 2012 pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos Estados Unidos, mostrou que ele afeta uma em cada 88 crianças. Este ano, a instituição revisou a proporção para uma em cada 50 crianças. A estimativa dá uma ideia de como ainda existem casos sem diagnóstico.
Apesar da grande frequência, ainda há pouca informação sobre o transtorno, o que cerca o assunto de mitos, que prejudicam não apenas o diagnóstico, como também o tratamento e o convívio com os autistas. Visando esclarecer algumas dúvidas sobre o autismo, a Revista Mais Saúde entrevistou a psicopedagoga Sheila Caldas Hyczy, que também alertou para o diagnóstico e tratamento precoce do transtorno.
Revista + Saúde – Como se identifica o autismo e quais os principais sintomas?
Sheila – Antes dos dois anos de idade já pode ser identificado. Os principais sintomas são que a criança não tem nenhuma interação corporal ou ocular com os pais ou outras pessoas, não reage a atitudes por parte das outras pessoas, não reage a brinquedos, brinca sempre das mesmas coisas e não exerce aquele tipo de brincadeira de imaginação, o “faz de conta”, que é muito comum em crianças normais.
Revista + Saúde – Ao ser diagnosticado, como funciona o tratamento?
Sheila – O tratamento do autismo deve ser multidisciplinar. Esse tratamento é composto por vários profissionais, sendo eles: psicopedagogos (utilizando o método ABA TEACHH, que são estratégias educacionais feitas especialmente sob medida para pessoas com autismo), psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.
Revista + Saúde – Quais as situações que mais os incomodam?
Sheila – Basicamente, as situações que mais incomodam os autistas são as de socialização, onde ela deve interagir com outras pessoas, é muito difícil para elas. Por isso, é o ponto de partida no tratamento. Trabalhamos essas situações para que aos poucos a socialização e a comunicação aconteçam.
Revista + Saúde – Como se estabelece um diálogo com os autistas no tratamento, já que possuem introspecção em excesso?
Sheila – Através de psicomotricidade relacional (atividade baseada no brincar espontâneo e na comunicação não verbal, que permite a criança, jovem ou adulto a expressar suas dificuldades através de brincadeiras corporais). Então, primeiro utilizamos o diálogo corporal e depois a fala.
Revista + Saúde – Quais são as causas conhecidas do autismo?
Sheila – Não existem. As causas exatas são desconhecidas.
Revista + Saúde – É verdade que existem níveis diferentes de autismo?
Sheila – Verdade. O autismo é um amplo espectro e os níveis variam entre leve, moderado e severo.
Revista + Saúde – É correto dizer que os autistas possuem uma dificuldade de interação com o mundo e que devido a isso eles preferem ficar sozinhos?
Sheila – Sim, essa dificuldade de interação é uma das principais características. É o que chamamos de Tríade Autista (comprometimento e dificuldades em três domínios do desenvolvimento humano: comunicação, socialização e imaginação). Geralmente, os autistas preferem sim ficar sozinhos a interagir com outras pessoas. Mas é importante dizer que com o tratamento precoce há muita evolução do quadro.
Revista + Saúde – É verdade que o fato do autista ser superprotegido pelos pais pode fazer com que o seu quadro piore?
Sheila – Verdade. Por isso o trabalho deve ser feito também com a família, para que haja aceitação e auxílio no tratamento correto do autista dentro de casa.
Revista + Saúde – A personagem autista Linda da novela “Amor à Vida”, da Rede Globo, foi alvo de muitas polêmicas. Diversos artigos escritos por especialistas e publicados na internet afirmam que o autismo da personagem passa longe da realidade. Isso é verdade?
Sheila – Sim, eu concordo com os artigos. O comportamento da personagem não se mostrou compatível com a realidade dentro dos sintomas do espectro autista.
Revista + Saúde – Sobre o relacionamento de Linda com o advogado Rafael, há muitas afirmações de que dadas as características da própria personagem apresentadas pela novela, não seria correto que ela namorasse um adulto. Basicamente, por que se trataria de abuso de incapaz. Isso é verdade?
Sheila – Os níveis de autismo são diversos e essa personagem se mostrou difícil enquadrar em qualquer nível, devido ao fato de não termos possuído conhecimento suficiente dentro da novela do seu quadro de autismo, ou em que idade ela iniciou os tratamentos. Há níveis bem leves de autismo em que há possibilidades de relacionamento interpessoal e existem autistas enquadrados nesse nível que são casados. Mas no caso da novela, poucas informações nos foram dadas.
Por Camila Neumann